quinta-feira, 22 de setembro de 2011

"Eu só peço a Deus que a injustiça não me seja indiferente..." (Mercedes Sosa)

Conforme prometi ontem, agora já revigorada do desgaste físico e psicológico a que estamos sujeitos nestes dias de greve  e de vigília, farei um relato sobre os últimos acontecimentos vivenciados por mim e outros colegas do NDG ( Núcleo Duro da Greve) ou, se preferirem, do NODR (Núcleo Osso Duro de Roer).
Para quem apostou, mais uma vez, que nossa assembleia se esvaziaria após os acontecimentos mais recentes, aposta errada! Perdeu! A assembleia, mais uma vez, estava lotada de bravos guerreiros que não fogem à luta jamais. E já adianto aos que sempre dizem que estamos sendo usados, que o movimento é político-partidário, obra da esquerda oposicionista: Não somos massa de manobra, temos cérebro, sabiam?  Eu mesma já critiquei algumas ações do Sindu-Ute, com as quais não concordei, pois sou adepta do ditado: "Pau que dá em Chico dá em Francisco" e também em João, Maria, Pedro e Anastasia....
Divagações à parte, quero ressaltar alguns dos momentos marcantes da assembleia. O primeiro deles foi a entrada dos acorrentados, ao som da música "Eu só peço a Deus", de Mercedes Sosa. Até os mais insensíveis se comoveram. Um filme passou na nossa mente. Pensamos nos dias de luta para estudar, trabalhar, ter e dar um futuro melhor para a família, estendendo todo esse anseio às camadas mais pobres da sociedade. 
Um segundo momento, igualmente marcante,  foi quando o Frei Gilvander nos fez  um convite à oração, destacando o PODER dela sobre as forças do mal, às vezes sutilmente presentes no meio de nós. A firmeza da Beatriz, coordenadora do Sind-Ute, sempre objetiva em suas colocações, às vezes carregadas de um humor perspicaz e refinado, nos passou força e coragem.
Mas com certeza, o ponto de destaque da manifestação foi quando interrompemos a fala da Beatriz por um bom tempo, talvez uns cinco minutos ou mais, gritando em uníssono: "Fora Anastasia, fora ditador" e posteriormente, pulando e gritando: "Pula, sai do chão, quem defende a Educação!"
Como acontece em todas as assembleias, após o repasse das informações, votou-se pela continuidade ou não da greve. Mais  uma vez, quase por unanimidade, optou-se pela continuidade do movimento, pois nossas reivindicações, embasadas por uma LEI FEDERAL, ainda não foram atendidas. Um dos encaminhamentos da agenda foi que as caravanas se reunissem por região e se posicionassem nas saídas da ALMG, impedindo a passagem dos deputados, como forma de pressão para que assumissem um posicionamento claro, apoiando a nossa causa e votando contra o projeto do governo, que destrói a carreira do magistério mineiro. Nós ficamos posicionados em frente ao restaurante, sempre muito animados, apesar de sentados no chão ( o único piso que temos por enquanto kkkkkk) e privados dos direitos garantidos pela Lei Federal 11.7380, a Lei do Piso. É bom ressaltar aqui: a turma de Carandaí jamais perde o bom humor, mesmo numa situação como essa, desgastante e humilhante.
Ficou definido que, a partir daquele momento, estaríamos em vigília na ALMG. Robertinho, Michelângelo, Robson, Magna, Janíria e eu, nos escalamos para ficar. Outros colegas não puderam ficar, mas sabemos que em suas orações eles estiveram conosco o tempo todo. Posso dizer que formamos uma família. Não sei precisar a hora, sei que já era noite, talvez por volta da 19h, fomos chamados para o pátio da ALMG e desobstruímos as saídas
Já havíamos combinado quem ficaria e achávamos que nossas colegas já estavam na estrada, a caminho de casa, quando nos surpreendemos com a volta de alguns companheiros, preocupados conosco, não achando justa a ideia de somente alguns permanecerem ali, passando por privações. Ficamos comovidos, mas tranquilos em orientá-los a irem  sem culpas, pois sabíamos das necessidades e compromissos inadiáveis de cada um.
Aos poucos chegaram algumas barracas e colchonetes, mas não em número suficiente para todos. A turma da Zona da Mata, formada por cerca de 12 pessoas, recebeu apenas uma barraca e alguns poucos colchonetes, mas tudo bem: em situação de "guerra", tudo isso é luxo. Pouco depois, distribuíram um ticket para o jantar, que seria servido por volta das 21 horas. Como eram muitas pessoas, não deram conta de servir a todos. Ficamos nós de Carandaí e mais um bocado de gente, aguardando a chegada da segunda remessa das "quentinhas", o que ocorreu por volta de meia-noite e vinte. Nosso cardápio: arroz, feijão, macarrão e bife de frango. 
Após o jantar, nosso amigo Robson sugeriu que saíssemos entrevistando alguns companheiros de vigília e que postássemos aqui no blog o resumo dessas conversas. Não tínhamos filmadora, mas pegamos papel e caneta, uma câmera fotográfica e fomos ao diálogo: Robson como repórter, eu como fotógrafa. Colhemos relatos interessantes que, em breve, postaremos aqui. 
Confesso que não consegui dormir um minuto sequer, mas a noite passou tranquila, e rapidamente pudemos contemplar o nascer do Sol, sentados nas escadarias em frente ao pátio da Assembleia. Pela manhã, fomos novamente para os nossos postos, agora para impedir a entrada dos deputados e cobrar deles uma posição favorável a nós. Estávamos na nossa "trincheira", quando recebemos a notícia de que a tropa de choque havia chegado e queria retirar à força os companheiros que barravam a entrada da garagem principal da Assembleia. Corri para lá. A situação estava tensa. Lá já se encontravam a companheira Magna - dialogando com o comandante  e com o repórter da Record(ver vídeo número2), como uma verdadeira líder sindical - e o Robson, que retornou ao nosso posto e falou aos companheiros sobre o que estava ocorrendo. Pouco depois, chegou o colega Robertinho, imbuído de um espírito de proteção e solidariedade a essa "pequena e louca" professora, que insistira em ficar lá, já se preparando para receber gás de pimenta, paulada e tudo mais.
Todos sentados no chão, insistindo em lá permanecer, até que alguém nos ouvisse. Funcionários chegando, deputados, todos "presos" do lado de fora. O comandante nervoso, exigindo que saíssemos, senão usaria a força. E nós ali, insistindo em permanecer. Dez minutos foi o prazo que uma líder sindical conseguiu com o comandante para sairmos ou sermos retirados. A tensão foi tomando conta, companheiros chorando, mas firmes. De mãos dadas, sentados no chão, cantamos o Hino Nacional e a música "Anjos da guarda", da Leci Brandão. Enquanto isso, uma negociação acontecia, com o objetivo de marcar uma reunião entre representantes do Sindicato e o Presidente da Assembleia, Dinis Pinheiro, da base governista. Os soldados estavam perfilados, sérios, prontos a executarem a ordem, mesmo não concordando com ela. Num dado momento, o comandante da ação "repressão aos professores", que se mostrara nervoso no início, mudou completamente de atitude ao reconhecer, entre nós, um irmão maçom. As negociações e o tempo avançavam, a tensão cada vez maior, até o momento em que se conseguiu marcar a reunião, para dali a meia hora. Saímos então da frente da garagem. 
Confesso que tive medo, mas não fui vencida por ele. Durante o tempo em que lá estávamos, pensei em meu filho, meu esposo, meus amigos... Mas a vontade de ter um Brasil rico para TODOS falou mais alto, ficou "gritando" dentro de mim. A vontade de ter um País verdadeiramente livre para TODOS me fez permanecer até o fim.
Com o resultado de ações como essa é que temos conseguido alguns avanços. Pode não parecer nada, mas só o fato da Lei de aprimoramento do subsídio ainda não ter sido aprovada (e esperamos nunca seja), já é um pequeno ganho. O Projeto de Lei 2.355/2011, embora o governador tivesse "ordenado" sua votação em caráter de urgência, foi retirado de pauta e só deve voltar ao Plenário na próxima terça-feira. 
Outras manifestações ocorreram durante a manhã, inclusive a "Xepa do professor", numa das entradas da Assembleia. Sentados e acorrentados, servidores da Educação ofereciam um professor, ao preço único de R$712,20 e pagamento para janeiro de 2012. Ofereciam professores de todas as áreas, com Magistério, Licenciatura Curta, Plena, Mestrado e Doutorado, tudo a "preço de banana". E faziam um alerta: ainda há alguns, mas está acabando, entrando "em extinção". É bom frisar que eles falavam de PROFESSORES, não de "dadores de aula"! Esse pessoal é mesmo criativo...
Por volta de meio-dia, fomos almoçar num restaurante "baratinho", devido à escassez de nosso recursos. Ficou combinado que retornaríamos de carona com o pessoal de Juiz de Fora. Só que eles ficaram aguardando a refeição gratuita oferecida pelo Sindicato e essa refeição nunca chegava... Por volta das 16h30min, desistiram de esperar, mas quando a van fazia o contorno da Praça da Assembleia, o almoço chegou. Um dos companheiros de Juiz de Fora voltou para buscar as "quentinhas", que eles comeram na parada feita em um posto de gasolina, na saída de BH. Isso já por volta das 17 horas. A caminho de casa, pedimos ao nosso companheiro Michelângelo que convidasse os demais a fazermos juntos uma oração, pedindo a proteção Divina. É claro que não faltou a invocação a São Jorge, conhecida somente por aqueles que vão no nosso ônibus às assembleias em BH. Às 19 horas chegamos em Carandaí e ainda tivemos, Janíria, Magna e eu, que caminharmos um pouquinho até nossos lares, pois o motorista nos deixou no trevo de saída para Barbacena. O professor Robertinho viera um pouco   mais cedo, pois tinha compromissos inadiáveis.  
Estão vendo como vida de professor grevista é dureza? 
Bem, pessoal, se fosse contar tudo, daria um livro... Por hora, fico por aqui. Mas quero registrar, em maiúsculas, valores que buscarei levar para a vida toda, a partir dessa experiência única: SOLIDARIEDADE, CIDADANIA, CORAGEM, PERSEVERANÇA, JUSTIÇA, ÉTICA, DESAPEGO...


Manifestação durante a Assembleia do dia 20/09/2011

 Vídeos do programa Balanço Geral, da Record

Um comentário:

  1. Algumas coisas que passaram na minha cabeça, durante a terça e quarta-feira na ALMG, algumas eu compartilhei, outras estou compartilhando agora.
    No piso frio da ALMG
    - Será que os mandatários dessa casa sabem que é o futuro de pelo menos 150 mil pessoas que está em jogo, diretamente?
    -O que mais dói é ter de lutar por algo que é seu de direito.
    -Cada pessoa única, mas dentro de cada um há uma mesma fagulha que se inflamada pode nos deixar iguais.
    -Se você está rindo, então você está bem. S você está rindo muito, então você está bem acompanhado.
    Na frente da tropa de choque/em frente ao restaurante:
    - Estou disposto a muita coisa pelo piso ... mas apanhar não é uma delas.
    - Coragem é algo grandioso, e leva a grandes vitórias e a grandes tragédias.
    - Há sempre anjos da guarda ao nosso redor, muitas vezes é só prestarmos atenção para identificá-los.
    No plenário:
    - Eu odeio reprise de filme e acho que estou assistindo a mais uma.
    - Pra que 77 se 1 dezena ou dúzia bastaria?
    - A pior coisa de se estar irado e não conseguir calar.
    - O silêncio abre mais portas do que fecha.
    Na escadaria:
    - Nada melhor do que um sorriso para fazer amizade.
    - Todo soldado, todo guerreiro , precisa de um líder. Diariamente ele precisa de alimento, água e repouso, e de notícias do líder.
    - Juntar um monte de pessoas criativas é espetáculo na certa.
    -Colocar no jornal o piso da CNTE em vez do piso do MEC foi um erro do Sind-Ute. Um erro pequeno, mas um erro.
    - Todo mundo atingido na greve, pai, aluno, professor, devia entrar contra o governo na justiça. Precisamos só achar uma alegação.
    - Existe política em todo lugar e em toda situação. Política e dialogo são palavras quase sinônimas. Dizer que odeia política e dizer que odeia dialogo. O que eu odeio são os tagarelas.
    - Quem canta seus males espanta, pelo menos temporariamente.
    Na volta:
    -Qualquer coisa que você aprende, é algo que te faz crescer.
    -Quem luta educa, pois quem luta aprende a lutar...e a pensar na luta, e tudo que aprendemos de uma forma ou de outra compartilhamos.

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