quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Relatos de vida e de fé - pelo "correspondente" professor Robson Miranda

Em vigília na noite de terça-feira, 20/09/11, sentados no piso frio da “Casa do Povo” de Minas Gerais, observando a movimentação das mais de 300 pessoas que se dispuseram a continuar em luta durante toda a madrugada, tivemos a sensação de estarmos vivendo um momento único. Naquela varanda ampla, munidos apenas de algumas barracas, uns poucos colchonetes, alguns cobertores e de muita coragem, pessoas estavam dispostas a enfrentar o frio, a fome, o cansaço, dispostas a abrir mão de qualquer conforto ou compromisso, a fim de defender uma causa. Quando saímos de casa durante a manhã, jamais esperávamos por isso, mas lá estávamos vivenciando e fazendo história. E história, meus amigos, tem que ter personagens, tem que ter caras, tem que ter sentimentos.  E foi pensando assim que decidimos começar a conversar com os nossos colegas de vigília, munidos apenas de 2 folhas de papel, caneta e uma máquina fotográfica, a fim de tentar registrar um pouco esses personagens que  a faziam, ali naquela noite, naquele local.
Nervosos, sem saber qual ia ser a reação dos outros às muitas perguntas que desejávamos fazer, nos aproximamos de nossa primeira heroína pouco antes de ser servida a primeira remessa da janta, lá pelas 10h30min da noite. O nome dela: Maria Adélia, da cidade de Nepomuceno. Maria, como a autora deste blog, é professora de Português. Na escola dela, apenas 4 professores entraram de greve, mas nem por isso ela está menos confiante de voltar desta greve com o piso. O piso é lei, comentou ela, mais dia, menos dia, a justiça fará valer a Constituição que nos protege. Maria Adélia veio em um grupo de 48 pessoas para a assembleia, seis dos quais ficaram para a vigília, sete contando com o amigo Abdon, em greve de fome desde segunda-feira. Logo se juntaram a ela os companheiros Claudeir e Sílvio, da cidade de Varginha.  Claudeir acabou de ser eleito pela comunidade como vice-diretor de sua escola, possui 2 cargos, e é solteiro: - “É só assim que consigo viver com esse salário de miséria que o governo nos paga, se fosse pagar aluguel, manter filhos na escola, e bancar todas as despesas de um casamento numa cidade como Varginha, com certeza o meu dinheiro não dava”. Claudeir sofreu muita pressão para não fazer greve, e ainda sofre para voltar. Disseram que se fizesse greve ele não poderia assumir a vice-direção e um monte de outras ameaças veladas. Mas ele foi incisivo:-“ Eu estou de greve até a exoneração”. Claudeir é professor de Português, Literatura e quebra galho de Sociologia e Artes, disciplinas das quais reconhece, nada sabe, mas leciona devido ao sucateamento em que está a Educação do Estado. Para completar este NDG, conhecemos Sílvio Oliveira, para nossa grande surpresa, ATB (para quem achava que ATB em greve não existe, aqui está a prova em contrário). Sílvio aderiu à greve porque entende que também é um funcionário importante de suporte a docência, e a carreira é única. – “Se vocês conseguirem o piso, todos nós, ATBs, ASBs, seremos beneficiados.” Perguntamos ainda a nossos heróis como estava a adesão ao movimento naquela região. Eles disseram que a adesão era pouca, mas nem por isso fraca. Segundo eles, o fato de retornamos da greve de 2010 com a proposta de subsídio era a desculpa mais comum para os colegas não fazerem greves. – “Mas sabemos que voltamos naquele momento por que tínhamos que voltar e por isso estamos hoje aqui. Somos poucos, mas juntos somos muitos”. Agradecemos os nossos companheiros e deixamos que eles jantassem, afinal, o rango estava esfriando. Fomos em  busca da nossa próxima personagem.

 Maria Adélia e Claudeir

Robson, Claudeir e Sílvio

Helena é do Barreiro, região metropolitana de BH. Nós a reconhecemos imediatamente pelo vídeo dos “acorrentados”, disponível no Blog do Euler. Helena não nega o nome e é uma figura bonita, tem confiança e clareza para se comunicar, e é muito agradável. Ao seu redor, éramos meio tietes. Helena não nega a raça, é professora efetivada na lei 100, no conteúdo de Filosofia. Ela explicou que na escola em que trabalha, durante a manhã e a noite vigorava a “greve branca” – os professores estavam indo à escola para assinar os pontos, mas sem alunos, estes só iam à tarde, com os professores fingindo que estavam trabalhando. Perguntamos a Helena o que ela achava que havia mudado no movimento com a ação dos acorrentados na Praça da Liberdade. Ela disse que a ação deu visibilidade e foi importante como canal de comunicação com a sociedade. Perguntamos como aquele grupo surgiu e ela esclareceu que se conheceram ali, no pátio da ALMG, durante uma assembleia. Trocaram telefone e se reuniram para visitação e mobilização em escolas de BH. Foi quando a ideia do ato surgiu: - “ Somos todos acorrentados mesmo pela política educacional injusta desse governo”. Daí até o fato em si, foi um estalo.  Dos atos, Helena guarda dois grandes momentos. Primeiro, durante a manifestação na Praça Sete, uma moradora de rua que tinha apenas dois reais foi à pastelaria e comprou três pastéis para os manifestantes dizendo: "Professor é como pai para mim." –“ Nós ficamos emocionados com aquilo”, disse Helena. Em segundo, ela lembra do acorrentamento no dia da inauguração do relógio da Copa: - “A tropa de choque já estava pronta para nos enfrentar, os escudos estavam levantados, todos já estavam em posição, então começamos a cantar o Hino Nacional e eles baixaram os escudos”. Sobre o enfrentamento com a polícia, Helena diz: -“Eu não tenho medo do policial, mas sim daquele que me substitui na escola, este sim é perigoso, pois age tirando proveito da minha luta; o policial só está cumprindo seu papel”. Na foto com Helena, os companheiros Pedro, Max e Alisson, também da grande BH.
Pedro, Helena, Max e Alisson

Deixando a nossa guerreira, aproximamos de mais um grupo, já era quase meia-noite. Gislene é da subsede de Venda Nova, da Grande BH, leciona em uma escola com mais de 21 turmas. A Escola estava parada desde o início, nos três turnos, mas o turno da noite retornou ontem,19/09/11,  e segundo ela, isso a deixava preocupada.  Com Gislene, professora efetivada pela Lei 100 em Língua Portuguesa, encontramos Elzilene, Umbelina, Eurides e Adriano, Professores de Geografia, Educação Física, Matemática e História.  Adriano lembrou que estava cumprindo seu papel ali na assembleia, participando do movimento, enquanto professor de História, e concordou conosco que nem todos professores da área pensam assim: - “Em Venda Nova, os professores de História têm sido os mais difíceis/reacionários para entrar em greve”. Perguntamos se o resultado pouco positivo da greve no ano anterior poderia justificar a atitude deles. Adriano disse que não: - “Voltamos porque não tinha mais jeito; parece que é na faculdade que eles estão aprendendo muito pouca teoria e menos ainda prática de cidadania”.  Agradecemos os depoimentos, nos despedimos e fomos jantar.
Gislene, Elzilene, Umbelina, Eurides,  Adriano e outros companheiros de luta

Depois da janta recebemos a visita no nosso cantinho da Casa do Povo de Sandra Bittencourt. Sandra é de Muriaé e é da diretoria do sindicato. Havíamos nos encontrado diversas vezes naquele dia, uma vez que ela coordenava nosso grupo na vigília. Já tínhamos até um apelido para ela, Dorothy Stang, que ela aceitou com orgulho.  Sandra já foi irmã carmelita, mas largou o hábito, pois conseguia conviver com 2 dos 3 votos que fizera, pobreza e castidade, mas não o de obediência, uma vez que para lidar com a pobreza daqueles para os quais lecionava, muitas vezes tinha de desobedecer às ordens do convento. Sandra nos encantou com histórias da época em que lidou com alunos em escola da Boca do lixo, e mostrou que tem verdadeira vocação para a profissão. Para Sandra, o professor tem que se envolver: -“Não é só sala de aula, tem que falar com a família, tem de fazer a diferença”. Cidadania se ensina mais na prática que na teoria, e o que ela não suporta é hipocrisia, por isso é companheira de longa data do Sind-Ute. Se filiou aos 17 anos de idade, praticamente viu o sindicato crescer. E cresceu com ele.
Depois da visita de Sandra, achamos melhor encerrarmos as nossas conversas daquele dia, pois passava de 1h30min da madrugada. Parte de nossos companheiros já estava dormindo e outra parte estava cantando e conversando na escada. Nos revezamos então para o descanso.
Na quarta-feira, tivemos a oportunidade de fazer mais duas entrevistas, estas não com companheiros, mas com pais de alunos da rede estadual, que visitaram o movimento em apoio à nossa greve.
Paulo Roberto Teixeira, é eletricista, cursou só até o Ensino Médio, e tem dois filhos e esposa matriculados na rede estadual, em escolas que estão em greve desde o início do movimento. Paulo não entendia o motivo do movimento, então fez uma pesquisa e constatou que o salário do professor é o pior salário entre as profissões do país. -“ Eu não entraria em sala de aula por menos de R$1500,00. Só tenho o Ensino médio e tiro mais do que isso mensalmente”. Paulo concorda conosco que não faz muito sentido estudar quando se valoriza tão pouco um profissional com estudo, e é categórico ao declarar: - “Se a população não fizer nada agora, não sei o que será dos meus netos”. Paulo apoia o nosso movimento, já assistiu a três assembleias, desde que soube da realização de uma, divulgada no Orkut da filha, e é da seguinte opinião: -“Vocês devem levar a luta até o fim, se precisar até a exoneração. Queria ver o governo achar gente para substituí-los”. Indagado sobre as substituições que irão ocorrer em todas as escolas, ele disse: - “Eu concordo que seja feita imediatamente uma substituição: do governador. O governo não vai preencher 10% dessas vagas com professor qualificado. Vai é gastar dinheiro público com serviço de qualidade duvidosa. Vai é sucatear mais ainda aquilo que é nosso por direito.”
Aleho, é paraguaio, naturalizado no país há mais de 10 anos. Tem 3 filhas matriculadas em escolas públicas estaduais. Ganha a vida dando aulas particulares de espanhol, e procurou o movimento para entendê-lo, uma vez que a mídia nada esclarece sobre o mesmo. As 3 filhas de Aleho estão matriculadas em escolas diferentes. A filha mais velha está em escola parcialmente paralisada. Quando tem poucas aulas no dia, pede ao pai para ficar em casa; a do meio, em escola completamente paralisada, e ele está preocupado, uma vez que a mesma gosta muito de estudar, e está se sentindo mal sem a escola; a mais nova, está matriculada em escola de 1ª a 4ª, e está tendo aulas normais. “Por causa disso”, Aleho procurou a direção e o colegiado das escolas para tentar entender o movimento, mas ninguém conseguiu explicar, então pegou o metrô, desceu na Praça da Estação e caminhou até a Praça Sete, perguntando a todo transeunte com quem esbarrava _”Onde está acontecendo o movimento dos Professores Estaduais?” – ele contou:-“ Foram necessários 31 transeuntes até que alguém me dissesse que era na Praça da Assembleia”. Aleho está se inteirando dos motivos de nossa greve, mas concorda conosco no seguinte: -“Se o piso é lei, faça valer”.
Aleho e Paulo Roberto, pais de alunos da rede estadual


P.S.: Faltou a foto da Sandra, do Sindu-Ute. Sabe como é que é, né?  Somos repórteres inexperientes... (kkkkk!!!)

3 comentários:

  1. Respondendo ao amigo João Paulo, sobre a greve em nossa Escola:

    Infelizmente, as aulas recomeçaram ontem. Contrataram professores substitutos e alguns colegas voltaram, individualmente, sem esperar a decisão da categoria. É lastimável, mas é a verdade.
    Eu e muitos outros permanecemos firmes.

    Um abraço,
    Graça Nogueira

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  2. Parabéns aos nobres companheiros pela vigília na Assembleia Legislativa, com certeza vocês marcaram um ponto importante na história.
    Enquanto tudo isso, alguns colegas estão nos seus lares, preparando suas aulas, trabalhando e aguardando seus salários, como se o problema fosse só de alguns.

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  3. Vamos permanecer firmes até o fim.infelizmente temos alguns colegas que só olham para o próprio umbigo,se esquecem que somos da mesma classe e lutamos por um mesmo ideal.Ainda não é hora de voltarmos.

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